Você já percebeu como vivemos numa sociedade obcecada por equilíbrio? “Work-life balance”, “dieta equilibrada”, “relacionamento equilibrado”, “saúde mental equilibrada” — como se a vida fosse uma conta bancária que precisa sempre fechar no zero. E se eu te dissesse que essa busca desesperada pelo equilíbrio pode estar te impedindo de viver a vida que realmente quer?
Antes que você feche essa aba do navegador e volte para o Instagram (onde, ironicamente, vai ver mais 47 posts sobre “como encontrar o equilíbrio perfeito”), me dê uns minutos. Prometo que não vou te vender nenhum curso de “Vida Equilibrada em 21 Dias” nem te sugerir que medite 4h por dia enquanto toma chá de camomila.
O Grande Engano do Século XXI
Estamos vivendo a era do fundamentalismo do equilíbrio. Sim, você leu certo — fundamentalismo. Aquela palavra que geralmente associamos a extremistas religiosos agora se aplica perfeitamente à nossa relação neurótica com a moderação.
O psicanalista Adam Phillips observa algo brilhante: existe “algo singularmente cativante na palavra equilíbrio, como se, porque algo é chamado de equilíbrio, deve, por essa razão, ser necessariamente bom.” Traduzindo: nos apaixonamos pela ideia do equilíbrio sem questionar se ele realmente nos serve.
Pense comigo: quando foi a última vez que você fez algo verdadeiramente importante mantendo-se “equilibrado”? Aquela promoção que você conseguiu, o relacionamento que te transformou, o projeto que te realizou — aposto que em todos esses momentos você estava completamente desequilibrado, obcecado, perdido no que realmente importava.
A Psicanálise e o Mito da Pessoa “Normal”
Freud e seus seguidores descobriram algo perturbador: não existe pessoa equilibrada. Na verdade, quanto mais estudavam a mente humana, mais percebiam que todos nós nascemos em estado de conflito interno. Não é que perdemos nosso equilíbrio em algum momento da vida — simplesmente nunca tivemos um.
E sabe o que mais? Isso não é um bug, é uma feature.
Seus conflitos internos, suas obsessões, aquilo que te tira do sério e te faz perder o sono — tudo isso são pistas valiosas sobre quem você realmente é e o que genuinamente importa para você. Quando você tenta “equilibrar” essas forças, está essencialmente tentando calar a parte mais autêntica de si mesmo.
O Paradoxo do Equilíbrio Moderno
Vivemos numa contradição fascinante: numa sociedade que prega o equilíbrio, mas que estruturalmente nos mantém em constante desequilíbrio. Seu celular vibra a cada 3 minutos, você tem 47 abas abertas no navegador, recebe 156 e-mails por dia e ainda esperam que você seja “zen” e equilibrado.
A verdade inconfortável é que buscar equilíbrio numa sociedade desequilibrada é como tentar nadar contra a correnteza usando um colete salva-vidas de chumbo.
Mas aqui está o plot twist: e se o problema não fosse a sociedade desequilibrada, mas nossa obsessão em permanecer estáveis em meio ao caos?
Quando o Desequilíbrio É Mais Honesto Que o Equilíbrio
Phillips faz uma observação que deveria estar numa placa na entrada de todo consultório de coaching: “Atos de equilíbrio são divertidos porque são arriscados, mas há situações em que é mais perigoso manter o equilíbrio do que perdê-lo.”
Traduzindo para o mundo real: às vezes, fingir que está tudo equilibrado quando não está é mais tóxico do que assumir o caos e trabalhar com ele.
Você já reparou como pessoas “muito equilibradas” podem ser… meio mortas por dentro? Como se tivessem trocado a vitalidade pela estabilidade? Como se tivessem escolhido ser um lago parado em vez de um rio que pode ter corredeiras, mas pelo menos está vivo e se movendo?
O Que Seus Desequilíbrios Revelam Sobre Você
Aqui está uma provocação: e se seus desequilíbrios fossem sinais, não problemas?
- Você é workaholic? Talvez esteja comunicando que precisa sentir-se útil e reconhecido.
- Não consegue parar de checar redes sociais? Pode ser que esteja com fome de conexão real.
- Vive ansioso sobre o futuro? Provavelmente valoriza segurança mais do que gosta de admitir.
- É “viciado” em relacionamentos dramáticos? Talvez intensidade seja mais importante para você do que estabilidade.
Não estou dizendo que você deve abraçar todos os seus excessos sem questionamento. Estou sugerindo que, antes de tentar “equilibrá-los”, talvez valha a pena entender o que eles estão tentando te dizer sobre seus desejos mais profundos.
A Armadilha do “Meio-Termo”
A cultura do equilíbrio nos vendeu a ideia de que a virtude está sempre no meio-termo. Mas a psicanálise revela algo diferente: pessoas interessantes são pessoas com obsessões interessantes.
Steve Jobs era obsessivo. Frida Kahlo era intensa. Virginia Woolf era “desequilibrada”. Imagine se elas tivessem gasto toda sua energia tentando ser “equilibradas” — teríamos perdido contribuições revolucionárias para o mundo.
Não estou romantizando o sofrimento, mas questionando se nossa definição de saúde mental não está pequena demais, asséptica demais, chata demais.
Reflexões Para Levar Para Casa
Antes de você sair correndo para jogar fora todos os livros de autoajuda sobre equilíbrio (embora eu não vá te impedir), algumas perguntas para mastigar:
- Quando você está mais “você mesmo” — nos momentos equilibrados ou nos momentos de paixão intensa por algo?
- Que área da sua vida você força um “equilíbrio” que talvez seja artificial?
- Se você parasse de tentar se equilibrar por uma semana, o que aconteceria? (E não, não estou sugerindo que você vire um lunático — apenas que observe o que emerge.)
- Seus “desequilíbrios” te incomodam ou incomodam mais as pessoas ao seu redor?
O Próximo Passo da Jornada
Na próxima edição, vamos mergulhar mais fundo neste território perigoso: como nossos excessos são, na verdade, nossos desejos disfarçados, e por que aquilo que mais tentamos controlar pode ser exatamente aquilo que mais precisa ser compreendido.
Porque, convenhamos, se você chegou até aqui lendo sobre por que equilíbrio pode ser uma armadilha, você já está mais interessado no desequilíbrio do que gostaria de admitir.
Disclaimer Profissional: Este artigo oferece reflexões baseadas em conceitos psicanalíticos para fins educacionais e de autoconhecimento. Não substitui terapia psicológica ou psicanalítica profissional. Se você está enfrentando dificuldades emocionais significativas, procure ajuda de um profissional qualificado. Como psicanalista clínico, encorajo a busca por análise pessoal como ferramenta de autoconhecimento profundo.
Referências
PHILLIPS, Adam. On Balance. London: Hamish Hamilton, 2010. Farrar, Straus and Giroux.
